quarta-feira, 26 de novembro de 2014

A proliferação de “templos de consumo”: apropriando-se do nosso tempo


“Todas as condições se reúnem assim para que exista uma dominação perfeita, 
para uma exploração apurada das pessoas, ao mesmo tempo como produtores, 
como consumidores de produtos, como consumidores de espaço” (HENRI LEFEBVRE)


Além da violência urbana, outro fato divulgado constantemente na mídia sobre a Serra é o expressivo crescimento do mercado imobiliário nos últimos anos. Diferentemente dos municípios de Vitória e Vila Velha, o produto imobiliário “padrão” no município é o condomínio fechado, de casas ou edifícios. Outra novidade recente na cidade é a proliferação de centros comerciais, mais conhecidos como shopping centers, de diferentes portes. Alguns se encontram em funcionamento, outros em construção ou como projetos. O fato é que esses “templos do consumo”, como os denomina Milton Santos, participarão cada vez mais do cotidiano do cidadão serrano, como de outras cidades capixabas.

De um modo geral, a grande mídia anuncia tais empreendimentos como representação do moderno e do conforto: “É o lugar onde encontramos de tudo!”. Além disso, é ressaltado o papel dos shoppings na geração de emprego, seja durante as obras ou quando estiverem em funcionamento. Ou são poucas as vezes que a Camila Domingues (repórter da Rede Gazeta) anuncia, toda sorridente (!), as vagas de emprego em tais setores no telejornal da hora do almoço?!

Mas nem tudo que reluz é ouro, e nem tudo que é bom, é realmente bom para todos. Os shopping centers, assim como os hipermercados, possuem um papel estratégico para a reprodução da sociedade contemporânea baseada na produção e no consumo de mercadorias. Por um lado, a construção de tais equipamentos urbanos (como os condomínios fechados) representam grandes possibilidades de ganhos para incorporadoras, tornou-se um ótimo negócio produzir espaço como salienta diversos estudiosos da cidade. Por outro, o shopping center, com seu atrativo micro-climático associado a comodidade, se revela como lugar privilegiado para o consumo. Mais que isso, tais espaços privados encerram cada vez mais a realização da vida cotidiana por meio do consumo, em função das atividades diversificadas (não apenas comércio, o shopping virou sinônimo de lazer) e do tempo (abertos até mais tarde e inclusive aos domingos).

O shopping center representa uma mudança não apenas da forma, mas do conteúdo de nossas cidades, de como nos apropriamos delas. Para ilustrar essa passagem vou recorrer a uma passagem da minha infância. Quando criança, em Taquara II (Serra), era muito comum passar as tardes de domingo no chamado “Campão”, um campo de várzea careca (hoje tem grama e está alambrado), enquanto rolava o jogo de futebol entre os adultos, eu e meus amigos jogávamos “travinha” (furingo) na lateral do campo. Era um verdadeiro “evento” do bairro. Gastávamos muita energia, e nada de grana. Hoje essas práticas têm se enfraquecido, inclusive nas periferias. Grande parte das pessoas tem aproveitado o tempo “livre” em outros espaços, agora nos espaços privados como os shopping centers, centros de futebol socyte, clubes etc. Aquele tempo que era “livre” foi apropriado pelas relações de produção, não como trabalhador, mas como consumidor.

E para fechar o assunto, é importante salientar o preço que se paga (e quem paga!) pela comodidade e pelo conforto dos shoppings tão apregoados. Recente matéria do Brasil de Fato revela que os trabalhadores do comércio são um dos que mais sofrem com extensas jornadas de trabalho (até 60 horas semanais!) e baixas remunerações. Embora sempre estejam com aquele sorriso no rosto, como daquele jovem feliz e superexplorado que trabalha em uma grande rede de fast food.

Referência: Brasil de Fato, Edição de número 476, Ano 10. 
Me. Thalismar Gonçalves 
AGB-Vitória 
Professor do IFES/Aracruz
Publicado originalmente em 12/05/2012 no Blog Cidade como Direito (www.cidadecomodireito.blogspot.com)

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Ensino de Geografia X Mídia e Fundamentalismo Religiosos

Por que aprendemos geografia na Educação Básica (Ensino Fundamental e Médio)? Essas informações servirão para alguma coisa? Este é o questionamento constante por parte dos estudantes. Responder a pergunta acima não é fácil, sua resposta, talvez, tomaria bem mais que um pequeno texto. Não vou reduzir a geografia a uma das matérias que "caem" no ENEM para justificar a sua importância. Abaixo falo da importância de apreender geografia em relação a duas instituições que participam diretamente da (de)formação dos cidadãos: a grande mídia e a religião. 

1. A geografia pode e deve contrapor as falácias (Designa-se por falácia um raciocínio errado com aparência de verdadeiro) divulgadas na grande mídia. Alguns exemplos: 
  • O direito de ir e vir: quando há protestos que interrompem as vias públicas, a tônica das matérias, de um modo geral, é criminalizar, culpabilizar, os manifestantes, alegando que os mesmos estão violando o direito de ir e vir do cidadão. Não se divulga de forma séria os reais motivos das manifestações. Na maioria dos casos, a interrupção do tráfego é para chamar a atenção sobre violação de direitos como a saúde, educação, segurança, transporte público, etc. Portanto, se ir e vir na cidade é um direito, também é direito do cidadão reivindicar por direitos básicos previstos na Constituição Federal. 
  • Ocupação ou invasão? Quando ocorre a ocupação de latifúndios (grandes propriedades improdutivas) ou prédios vazios, os noticiários, de um modo geral, acusam os ocupantes de invasores, ou mesmo criminosos. Sobre tais fatos, a mídia reconhece (de forma intencional ou não) apenas o direito à propriedade previsto na Constituição Federal, por isso acusa os manifestantes de invasores. No entanto, a mesma Constituição Federal prevê que a propriedade rural ou urbana deve exercer sua função social, ou seja, deve ter um uso (plantação ou moradia, por exemplo) em vez de servir a especulação. Portanto, quem ocupa não é invasor, mas está lutando por direitos previstos na Constituição como o direito ao trabalho digno e à moradia digna. 


2. A geografia pode e deve contrapor aos fundamentalismos religiosos (e outros fundamentalismos também): 
  • Diversidade religiosa: ao longo da história e no mundo atual presenciamos diversos conflitos em que a Religião é um importante componente. De um modo geral, tais conflitos e tensões se realizam sob o combustível do fundamentalismo religioso. Trata-se de interpretações ortodoxas dos escritos sagrados que levam as pessoas a intolerância religiosa (não aceita ou repudia pessoas de outras religiões) e a comungarem com valores e práticas antiéticas, que acabam por naturalizar a violência e a discriminação. A geografia nos ajuda a compreender que existem, apesar do processo de globalização, uma infinidade de sociedades e comunidades. E cada uma delas ao longo de sua história foi estabelecendo formas particulares de relação com o sobrenatural ou espiritual. Por isso, é irracional o não reconhecimento ou a hierarquização das diferentes religiões ou seitas. Uma dimensão da riqueza cultural no Brasil é a sua diversidade religiosa.
  • Estado Laico: Há diversos países em que o Estado e a Religião encontram-se ligados constitucionalmente. Esses Estados são chamados de teocráticos e os valores religiosos são previstos e reconhecidos em lei, orientando as práticas do cidadão. Alguns exemplos de Estados Teocráticos: Irã (Islamismo) e Vaticano (Catolicismo). Há outros diversos países que o Estado é Laico, ou seja, não há relação orgânica com nenhuma religião e prevê em sua Constituição a liberdade religiosa. O Brasil é um Estado Laico, por isso, a discussão das políticas públicas não devem ser interferidas por valores religiosos, mas se basearem em aspectos éticos, e voltados prioritariamente para a resolução de problemas sociais e ambientais.   

Portanto, o ensino de geografia não se reduz a decorar os nomes das capitais dos países ou siglas dos Unidades da Federação do Brasil. Aliás, embora seja importante, isso não é geografia. Aprender as diferentes dimensões dos conflitos urbanos e rurais é de suma importante para nos posicionarmos frente ao mundo, assim como saber sobre a religião numa perspectiva geográfica. É importante ressaltar que a crítica no segundo item não se refere a Religião, enquanto prática social. Mas volta-se para o fundamentalismo religioso (de qualquer vertente) que vai de encontros a valores e princípios fundamentais como liberdade, democracia, diversidade cultural etc.