Por que aprendemos geografia na Educação Básica (Ensino Fundamental e Médio)? Essas informações servirão para alguma coisa? Este é o questionamento constante por parte dos estudantes. Responder a pergunta acima não é fácil, sua resposta, talvez, tomaria bem mais que um pequeno texto. Não vou reduzir a geografia a uma das matérias que "caem" no ENEM para justificar a sua importância. Abaixo falo da importância de apreender geografia em relação a duas instituições que participam diretamente da (de)formação dos cidadãos: a grande mídia e a religião.
1. A geografia pode e deve contrapor as falácias (Designa-se por falácia um raciocínio errado com aparência de verdadeiro) divulgadas na grande mídia. Alguns exemplos:
- O direito de ir e vir: quando há protestos que interrompem as vias públicas, a tônica das matérias, de um modo geral, é criminalizar, culpabilizar, os manifestantes, alegando que os mesmos estão violando o direito de ir e vir do cidadão. Não se divulga de forma séria os reais motivos das manifestações. Na maioria dos casos, a interrupção do tráfego é para chamar a atenção sobre violação de direitos como a saúde, educação, segurança, transporte público, etc. Portanto, se ir e vir na cidade é um direito, também é direito do cidadão reivindicar por direitos básicos previstos na Constituição Federal.
- Ocupação ou invasão? Quando ocorre a ocupação de latifúndios (grandes propriedades improdutivas) ou prédios vazios, os noticiários, de um modo geral, acusam os ocupantes de invasores, ou mesmo criminosos. Sobre tais fatos, a mídia reconhece (de forma intencional ou não) apenas o direito à propriedade previsto na Constituição Federal, por isso acusa os manifestantes de invasores. No entanto, a mesma Constituição Federal prevê que a propriedade rural ou urbana deve exercer sua função social, ou seja, deve ter um uso (plantação ou moradia, por exemplo) em vez de servir a especulação. Portanto, quem ocupa não é invasor, mas está lutando por direitos previstos na Constituição como o direito ao trabalho digno e à moradia digna.
2. A geografia pode e deve contrapor aos fundamentalismos religiosos (e outros fundamentalismos também):
- Diversidade religiosa: ao longo da história e no mundo atual presenciamos diversos conflitos em que a Religião é um importante componente. De um modo geral, tais conflitos e tensões se realizam sob o combustível do fundamentalismo religioso. Trata-se de interpretações ortodoxas dos escritos sagrados que levam as pessoas a intolerância religiosa (não aceita ou repudia pessoas de outras religiões) e a comungarem com valores e práticas antiéticas, que acabam por naturalizar a violência e a discriminação. A geografia nos ajuda a compreender que existem, apesar do processo de globalização, uma infinidade de sociedades e comunidades. E cada uma delas ao longo de sua história foi estabelecendo formas particulares de relação com o sobrenatural ou espiritual. Por isso, é irracional o não reconhecimento ou a hierarquização das diferentes religiões ou seitas. Uma dimensão da riqueza cultural no Brasil é a sua diversidade religiosa.
- Estado Laico: Há diversos países em que o Estado e a Religião encontram-se ligados constitucionalmente. Esses Estados são chamados de teocráticos e os valores religiosos são previstos e reconhecidos em lei, orientando as práticas do cidadão. Alguns exemplos de Estados Teocráticos: Irã (Islamismo) e Vaticano (Catolicismo). Há outros diversos países que o Estado é Laico, ou seja, não há relação orgânica com nenhuma religião e prevê em sua Constituição a liberdade religiosa. O Brasil é um Estado Laico, por isso, a discussão das políticas públicas não devem ser interferidas por valores religiosos, mas se basearem em aspectos éticos, e voltados prioritariamente para a resolução de problemas sociais e ambientais.
Portanto, o ensino de geografia não se reduz a decorar os nomes das capitais dos países ou siglas dos Unidades da Federação do Brasil. Aliás, embora seja importante, isso não é geografia. Aprender as diferentes dimensões dos conflitos urbanos e rurais é de suma importante para nos posicionarmos frente ao mundo, assim como saber sobre a religião numa perspectiva geográfica. É importante ressaltar que a crítica no segundo item não se refere a Religião, enquanto prática social. Mas volta-se para o fundamentalismo religioso (de qualquer vertente) que vai de encontros a valores e princípios fundamentais como liberdade, democracia, diversidade cultural etc.
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